É muito comum, em
conversas pastorais, encontrar aqueles que se tornaram refém dos
anseios e desejos de pessoas: pais, cônjuges, filhos, patrões, “amigos”.
Eles afirmam que não possuem identidade, que se tornaram uma projeção
de outros, um holograma material do que é imaterial e só existe como
desejo reprimido, que acabaram encarnando um “personagem”, vivendo uma
vida que não é deles, tudo com vistas a agradar aqueles que, sobre eles,
alimentaram expectativas das mais variadas. Isso, creiam, provoca um
sofrimento sem medida e um desgaste existencial sem precedentes...
Neste contexto,
encontro aquele que se casou com quem não gostava, aquela que exerce uma
profissão para a qual não se sente habilitada, o que passou a assumir
determinados pensamentos e comportamentos que lhes são estranhos, ou
mesmo inaceitáveis, a outra que evita a polêmica, a exposição, o firmar
posição, tudo em prol de jamais romper o “cordão umbilical emocional”
que os torna, de certa forma, escravos psicológicos de outrem, uma vez
que a consciência viciou-se em não ter sua própria “voz”.
Desastrosamente, aqui temos algo que, por fim, estabelece um estado
existencial em que a pessoa se torna prisioneira de um outro alguém em
seu próprio ser!
Analisando mais
detalhadamente, percebi que muitas destas situações, não raro, estão
associadas a questões econômicas, ao mundo competitivo em que nós
vivemos, a essa sociedade movida pelo supérfluo, ao capitalismo que,
segundo Bauman, estabeleceu a seguinte máxima: “consumo, logo existo”.
Desta forma, em prol de manter vantagens e benesses, as pessoas acabam,
às vezes sutilmente enganadas, se sujeitando ao imponderável.
É o filho que tem
que assumir o próspero negócio da família, ainda que não tenha qualquer
vocação para tal. É a moça que tem que agüentar situações
constrangedoras e até assédio por causa do bom emprego que possui. É o
cinquentão que tem de se submeter a situações vexatórias, pois, caso
seja dispensado, não encontrará mais oportunidades no mercado. É o rapaz
pobre, que se casou com a socialite rica, e, agora, tem de atender-lhe
as demandas para poder manter privilégios. E por aí vai...
O resultado de
tudo isto é o estabelecimento de uma sociedade movida a disfarces, a
interesses, ao “jogo de empurra”, ao “toma lá, dá cá”, a cultura da
vantagem, dos que vivem “em cima do muro”, do impessoal, do
“politicamente correto”. Raramente vemos pessoas que se posicionam, que
assumem riscos, que sejam firmes, que mantenham convicções e por elas
estejam dispostas a ir as últimas conseqüências! Somos uma geração de
homens e mulheres sem “palavra”, de caráter afrouxado, de valores
relativizados, de comportamentos marionetizados. Sintetizando, como bem afirmou Groucho Marx: “esses são os meus princípios; se você não gostar deles, eu tenho outros...”.
Quem é você? No
que você acredita? Quais os disfarces que possui a sua face? Quantas
pessoas existem dentro de você? São perguntas intrigantes, inquietantes.
Respondê-las, inclusive, lhe expõe, faz com que seu pensamento seja
conhecido, suas idéias venham à baila, sua opinião se torne pública. É
perigoso demais! Para que fazer isto? Que vantagens algo desta natureza
lhe trará?
Bem, reconheço
que, de fato, você lucrará pouco ou quase nada se passar a fazer tais
coisas ou, muito provavelmente, terá enormes problemas e dificuldades,
mas, estou certo que, seja você quem for, é melhor que seja sempre você
mesmo! No livro "Coragem para Mudar", utilizado no Al-Anon,
encontramos “...jamais senti que pudesse ser eu mesmo perto das
outras pessoas. Eu estava ocupado demais, tentando ser o que eu achava
que os outros queriam que eu fosse, com medo de que eles não me
aceitassem do jeito que eu era". Por isso, pense, não dói; fale, não é proibido; posicione-se, não é pecado!
Essa é justamente a questão que Jesus está tratando no texto abaixo:
“Pois veio João Batista, que jejua e não bebe vinho, e vocês dizem: ‘Ele tem demônio’. Veio o Filho do homem, comendo e bebendo, e vocês dizem: ‘Aí está um comilão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores.’”. Lc. 7:33-34.
“Pois veio João Batista, que jejua e não bebe vinho, e vocês dizem: ‘Ele tem demônio’. Veio o Filho do homem, comendo e bebendo, e vocês dizem: ‘Aí está um comilão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores.’”. Lc. 7:33-34.
É certo que o Galileu nunca sofreu crise de identidade, não se dobrava aos interesses do Sinédrio, nem de Herodes, ou do Império Romano, nem de seu ninguém! Isso porque não tinha compromissos que lhe levassem para além de sua própria consciência e fé, estava disposto apenas a obedecer ao Pai, pois, até mesmo a Escritura se tornara relativa diante dEle uma vez que, Jesus, o Cristo, veio a se constituir a única chave hermenêutica através da qual a “letra” pode ganhar sentido e significado.
Essa passagem de
Lucas nos trás uma situação corriqueira. Sua análise concentra-se no
fato de que João Batista, que tinha voto de nazireu, ou seja, vivia como
um ermitão, comia gafanhotos, mel silvestre, vestia-se de trapos,
peregrinava pelo deserto, não era casado, não bebia vinho, orava,
jejuava, pregava o arrependimento, mas, ainda assim, os religiosos
diziam que ele tinha demônio! Ou seja, João, segundo Jesus, havia se
tornado o maior de todos os homens nascidos de mulher, contudo, não era
capaz de agradar àquela multidão.
Com o Nazareno,
todavia, a questão era diferente! Comia, bebia, se alegrava, sentava com
pecadores, ia à casa de publicanos, conversava com meretrizes, andava
com samaritanos, curava em dia de Sábado, acolhia os enfermos, libertava
os endemoninhados, quebrava as tradições, fazia tudo ao contrário de
João, mas ainda assim era tido como subversivo, alguém andando na contra
mão do “sistema”, um “rebelde” com causa, sendo condenado do mesmo
jeito, porque o que as pessoas queriam era ver um boneco, um fantoche,
um profeta de “brinquedo”. Mas Jesus “quebrou a banca!”. Boa!
O que sei é que
quando você não é o que é, não há mais o que se possa ser! O que sei é
que toda a sua vida se resume na busca de você tentar se encontrar com
você mesmo, de “tornar-se aquilo que é”, e isso tem a ver com o
propósito do que Deus planejou para que você experimentasse debaixo do
sol, no solo árido da existência humana, pois, ou você é em Deus, ou
você já se tornou não-ser, ou seja, algo que parece que é, mas que está
longe de ser...
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