Os cristãos deveriam sempre ser possuidores de um sentimento preciso
do certo e do errado. É verdade que muitos estão perdendo essa
perspectiva de vida – afinal de contas, estamos na era da tolerância. No
últimos tempos temos sido ensinados que não existem absolutos, que a
nossa verdade não é, na realidade, a verdadeverdadeira.
Consequentemente, temos que estar sempre procurando pela “verdade dos
outros”. Observamos o surgimento de toda uma geração de cristãos
diluídos e indiferentes, que não possuem convicções profundas sobre nada
a não ser para a afirmação universal de que não deveríamos ter convicções.
Cresci sob um conjunto diferente de valores. Meus pais
me ensinaram pela Bíblia, que existiam coisas que eram claramente certas
e outras que eram igualmente erradas. Aprendi que isso se aplicava às
atitudes também: algumas eram comandadas enquanto outras eram
condenadas. Muitas vezes aprendendo por experiências dolorosas,
verifiquei, adicionalmente, que a Bíblia também silenciava sobre algumas
coisas. Nesses casos, o conceito do “certo” e do “errado” deveria ser
discernido pela interpretação da época, do contexto cultural, e pela
preocupação do nosso próprio testemunho, em vez de ser extraído de
proposições diretas. Esses “certos” e “errados” também eram importantes,
mas, considerando que tinham sido apreendidos subjetivamente, possuíam
peso menor do que os direcionamentos objetivos da Palavra de Deus. Nesse
caso, deveríamos sempre deixar campo para um constante e amoroso exame
do ponto de vista das outras pessoas. Também aprendi a diferença
existente entre trechos bíblicos históricos, descritivos, e as
exortações doutrinárias, prescritivas. Assim pude me resguardar de cair
em tantas armadilhas religiosas que presenciei nas vidas de algumas
pessoas estranhas que, na providência de Deus, cruzaram o meu caminho.
Este sentimento, do certo e do errado, leva as pessoas a uma percepção aguçada e um amor todo especial pela justiça.
Isso deveria fluir naturalmente da vida dos crentes: eles deveriam
refletir, na extensão máxima possível do estágio de santificação em que
se encontram, a justiça e a santidade de Deus. É impressionante que uma
das características das pessoas sem Deus, ou dos apóstatas, é que eles
são “infiéis nos contratos” (Rm 1.31 - Atualizada). Assim sendo, os
crentes deveriam ser fiéis em seus acordos, prezar a sua palavra, odiar a
mentira e amar a verdade. Eles deveriam se recusar a meramente
contemplar e aceitar com calma, e com a assepsia da vida moderna, os
maus-tratos, os espancamentos, os massacres daqueles que não têm para
quem clamar, onde quer que isso esteja ocorrendo: quer nas ruas de São
Paulo, quer nas colinas da Índia e do Paquistão, quer nas selvas da
África. Os crentes deveriam se esforçar para serem exemplos e promotores
da justiça, com suas ações e palavras, sem qualquer traço de orgulho,
simplesmente pelo fato de que todos nós somos servos do Deus
Todo-Poderoso, que é justiça. Talvez por isso sejamos chamados de
“batalhadores da fé” (Judas 3), o que quer dizer que estamos envolvidos
em uma constante batalha em qualquer lugar que o mal procurar se
estabelecer como o padrão de conduta, contrariando os caminhos de Deus.
Nunca deveríamos permitir, nas áreas colocadas por Deus sob nossa
responsabilidade que a situação descrita em Isaías 5.20 venha a
reocorrer. Antes, deveríamos estar fazendo coro com o profeta
denunciando aqueles que “chamam o mal de bem; as trevas de luz e o doce
de amargo”.
Somos chamados a demonstrar essas convicções e a
defender o certo contra o errado em muitas frentes de batalha: em nossas
escola, em nosso trabalho e até em nossa igreja ou nossa denominação.
Ocorre que, talvez, em nenhum outro local esse dever seja mais difícil
de cumprir do que no nosso próprio lar. Não estou falando dos casos onde
a promoção ativa da injustiça está presente. Não estou considerando os
casos de maridos que espancam as suas mulheres, que maltratam suas
crianças, ou que negam a essas, o sustento material do qual necessitam.
Não estou pensando sobre o abuso sexual de crianças ou sobre a exposição
de material pornográfico no lar. Todas essas questões são violações
claras aos padrões de Deus e sobre elas Ele abundantemente se
pronunciou, em Sua Palavra. O julgamento sobrevirá sobre os violadores
dos Seus mandamentos, tanto de forma temporal como eterna. A questão que
estou considerando é quando nós, crentes sinceros e tementes a Deus,
somos chamados a atuar como juizes no dia-a-dia do nosso lar, por
membros de nossa própria família.
O tema pode parecer trivial, mas não é. A situação
ocorre com mais freqüência do que nos apercebemos. Como pais e mães Deus
nos colocou em uma posição de autoridade sobre nossos filhos. Nesse
sentido, Ele espera que nós venhamos a ser os transmissores do
conhecimento, aos nossos descendentes, sobre a Sua pessoa. Igualmente,
Ele espera que venhamos a representá-lo, refletindo os Seus padrões de
justiça (Deut 6.6-9; Sal 78.1-8). O abrigo e cuidado que fazem parte de
nossas obrigações primárias, seguem em linhas paralelas ao sentimento de
segurança e proteção que deveria estar presente na vida dos nossos
filhos e filhas até que os mesmos venham a atingir a maturidade e passem
a tomar suas próprias iniciativas baseadas em suas próprias convicções.
Eles deveriam se sentir confortáveis e seguros em vir até nós para
receber não apenas o ensino sadio, mas também para obter proteção e para
a afirmação dos seus direitos. Os que procedem de um família numerosa, e
até alguns de pequenas famílias, sabem muito bem que a harmonia perene é
um ideal que está longe de ser alcançado, de forma contínua, no lar
cristão. Existem lutas e disputas. O pecado cobra o seu pedágio e
confisca a paz. Certamente somos chamados, em inúmeras ocasiões, para
servir de mediador em brigas e para reatar relacionamentos feridos. Isso
significa uma demanda à identificação do pecado: onde ocorreu, quem
está demonstrando comportamento pecaminoso, quem tem a responsabilidade
principal pelos acontecimentos, quem deve ser protegido e quem deve ser
disciplinado. Raramente pensamos em nós mesmos nessa capacidade: como
juízes, mas o chamado para sermos exatamente isso virá com mais
freqüência do que gostaríamos que viesse. Se falharmos no tratamento
dessas questões estaremos diminuindo a figura do pai ou da mãe aos olhos
das crianças e estaremos prejudicando as lições que pretendemos
transmitir. Independentemente das boas intenções, se a prática da
paternidade não se enquadra nos padrões de Deus, as palavras
pronunciadas perderão eficácia. Como alguém já disse: “o que você é soa tão alto que não posso ouvir o que você diz”.
Relacionamos abaixo algumas das razões da dificuldade
no cumprimento dessa responsabilidade e porque falhamos tantas vezes
como representantes de Deus e justos juízes em nossos lares:
1. O pecado não ocorre de forma isolada.
Se fosse possível isolarmos rapidamente o pecado, com a possibilidade
plena de identificar pecados específicos, nossa tarefa, como juízes,
seria facilitada. Nesse sentido poderíamos lidar com o pecado e com o
pecador de forma precisa e decisiva. Essa é uma condição muito rara, na
vida real. O pecado tem a característica de se propagar rapidamente,
contaminando circunstantes e circunstâncias bem além da ocorrência
original. Na realidade, a Bíblia trata o pecado quase como se possuísse
vida própria, utilizando termos tais como concepção e nascimento (Tiago
1.14,15). Nas ocorrências em nossos lares, a identificação de
comportamento pecaminoso e a particularização deste em um único membro
da família, é um exercício frustrante e, muitas vezes, impossível. Todos
nós conhecemos muito bem a expressão; “foi ele quem começou!” Mas uma
ação pecaminosa muitas vezes provoca uma reação pecaminosa. Nem sempre
os valores cristãos e as diretrizes bíblicas têm o controle de nossas
respostas antes que desabroche o pecado, especialmente na vida das
crianças, com sua pouca maturidade cristã. Com freqüência vemos sobrevir
um intenso remorso, logo a seguir, mas, nesse meio tempo, muito mal já
pode ter sido feito. Nessas situações, perante uma situação caótica e
generalizada de comportamento pecaminoso a saída mais rápida é agregar
“quem começou” com “quem reagiu” e “cair matando” duramente a todos, com
distribuição eqüitativa de punições. Mesmo reconhecendo que todo pecado
é pecado, e todo ele é detestável a Deus, encontramos na Bíblia, uma
escala de gravidade atribuída a diferentes pecados, com conseqüente
diferenciação das punições aplicadas a esses. O antigo documento da
igreja, a Confissão de Fé de Westminster, expressão da crença bíblica
dos Presbiterianos, ao mesmo tempo em que reconhece que qualquer pecado
se encontra em oposição à santidade divina e, assim, está. Sujeito à ira
e julgamento de Deus (Cap. VI, Seção VI), também especifica que existe
uma gradação de pecados (Perguntas 150 e 151, do Catecismo Maior).
Estamos tentando desenvolver o nosso discernimento, nesse aspecto, ou
estamos indiscriminadamente e uniformemente aplicando nossa própria
versão distorcida de justiça?
2. Somos tardios no ouvir e rápidos no falar. Muitas vezes falamos cedo demais. Achamos que já sabemos a resposta e passamos a aplicar um “sermão”. Devíamos pensar no ouvir como uma “audiência”, no sentido jurídico do termo, ou seja, aquilo que se processa antes do julgamento. Nela o juiz ouve
as questões preliminares dos casos que serão posteriormente julgados.
Ela estabelece também o alicerce para que o julgamento seja bem
sucedido. Ainda dentro deste item, freqüentemente deixamos de verificar
que nossos filhos têm dificuldade em expressar os seus pensamentos de
uma forma lógica inteligível. Nem sempre eles possuem o vocabulário
exato e necessário a expressar os seus fatos e sentimentos. Alguma
vezes, somos tragados pela impaciência. Muitas vezes dizemos: “Não quero
ouvir nem mais uma palavra sobre este assunto!” quando o que seria
necessário, na ocasião, eram exatamente aquelas palavras finais que
pretendiam dizer. Muitas vezes somos a causa da frustração de nossos
filhos, em suas tentativas de comunicação. Quando procedemos desta
forma, passamos a julgar sem possuirmos os dados pertinentes e
confundimos a aplicação de sermões de algibeira com a disciplina e
orientação correta. Muitas vezes, nos encontramos falando sobre questões
que não eram a origem ou o tema principal da disputa. Julgamentos
severos demais, ou inteiramente errados, podem ser provocados por nossa
impaciência. Esquecemo-nos de que Deus é “tardio em irar-se” e que a
longanimidade (a habilidade de suportar um situação indesejável por um
tempo prolongado) é um de seus atributos e fruto do Espírito (Gl 5.22)
que deve estar presente em nossas vidas.
3. Em Nossa Busca Por Justiça Perdemos a Visão dos Direitos de Quem Está Certo.
Esta poderia ser a posição do outro extremo. Se possuímos uma visão
bíblica de nossos deveres, tememos promover injustiças. Muitas vezes, no
afã de julgar corretamente, procuramos pesquisar com precisão todos os
aspectos e todos os detalhes de uma questão, mas levamos essa tarefa com
tanta intensidade que o lado inocente se torna culpado por pressão.
“Está certo”, dizemos, “alguém fez algo contra você. Mas, possivelmente,
você também fez algo de errado contra a outra pessoa que a fez reagir
dessa forma”. Somos tão conscientes da universalidade do pecado que não
queremos dar qualquer tipo de desculpa às nossas crianças.
Semelhantemente, não queremos ser superprotetores. Essas atitudes
procedem de uma compreensão correta da sociedade, em que vivemos, que
desculpa os erros e pronuncia julgamentos impensados; que vê alguns como
santos e outros como pecadores em função dos laços familiares e não sob
os padrões de Deus. Ocorre que não temos nenhum tipo de aprovação da
parte de Deus para fazer injustiça a quem está certo e para ser suave
com o ofensor. Sempre me lembro do rei David – como ele corria para Deus
e expunha o seu caso, suplicando a Deus que vindicasse o seu problema e
que tomasse o seu lado contra os seus inimigos (Salmos 86.14-17; 140;
142.5,6; 143.1-9). Nossos filhos deveriam, igualmente, se achegarem a
Deus com semelhante clamor e deveriam também esperar, de nossa parte,
sabedoria suficiente para julgar corretamente, em amor. Temos que nos
aperceber, sem encorajar o sentimento destrutivo de auto-justiça, que
eles podem estar certos, que eles podem ter sido
empurrados forçosamente a uma situação de litígio, que eles podem ter
sido falsamente acusados, intimidados e oprimidos. Se não tivermos
cuidado, podemos promover insegurança e transmitir às nossas crianças um
sentimento permanente de incapacidade e falha – se quando surge um
problema e elas se voltam a nós, sempre retrucamos que nunca estão
certas, até quando elas estiverem. Algum filho seu já lhe perguntou;
“Pai, por quê eu nunca estou certo?” Seus filhos têm a segurança,
liberdade e conforto de se aproximarem de você e fazer uma pergunta
dessas?
4. Descansamos Indevidamente no Tempo.
“O tempo é o melhor remédio – ele se encarrega de resolver problemas”.
Com freqüência falamos dessa forma e com isso empurramos para o lado a
necessidade de uma urgente intervenção. Não existe nada que ajude melhor
a injustiça do que a lenta justiça. No campo secular, a questão da
lentidão dos processos judiciais, tem sido amplamente debatida, como
sendo algo que causa intensa preocupação.
A maioria dos criminosos, em
função dessa lentidão, não são punidos rapidamente e outros, acusados
falsamente, sofrem injustiça. Não existe qualquer justificativa em
esperarmos que o tempo venha a consertar os problemas
do nosso lar. A Bíblia não nos fornece qualquer base para a expectativa
de que a inatividade, de nossa parte, venha a ser a solução de situações
pecaminosas. Ela nos comanda, na realidade, até quando a atitude
pecaminosa estiver presente no lado oposto, a tomar a iniciativa do
contato para que o processo de correção e restauração possa ter o seu
início e chegue a um término de sucesso ( Mateus 18.15-16). A disciplina
tardia é tão deficiente quanto a ausência desta. Será que você está
passando as suas responsabilidades ao “tempo”? Será que você está
procurando o caminho mais fácil da ausência de confronto com o pecador e
com o pecado, quando os preceitos de Deus demandam ação de sua parte?
Não existem passos rápidos à aquisição da sabedoria.
Devemos estar sempre relembrando essas dificuldades e constantemente
suplicando a Deus que Ele nos auxilie nessas horas de provação. Ao mesmo
tempo, devemos ter a compreensão do mal imperceptível que podemos estar
fazendo aos nossos filhos e às nossas famílias, quando deixamos de
assumir o papel do juiz-no-lar, ou quando cumprimos de
forma inadequada com essas responsabilidades. Com freqüência seremos
nós, juízes imperfeitos, que teremos de nos achegar aos nossos queridos
que prejudicamos com nossas falhas, clamando por misericórdia, dizendo
“Sinto muito, me perdoe”, bem como ao nosso Perfeito Juiz, nosso Senhor
Jesus Cristo, com idêntica súplica de perdão e de auxílio.
Rev. Solano Portela
0 comentários :
Postar um comentário