Um dos temas com os quais os pastores mais se deparam em momentos de
aconselhamento é sobre a vontade de Deus. Em tais situações, é muito comum
ouvirmos expressões do tipo: “pastor, qual é então a vontade de Deus para a
minha vida?”.
Independentemente do tema, a intrigante pergunta sempre surge para nos
colocar em situação difícil. Nestas circunstâncias, sinto-me como se fosse um
oráculo, um intermediário do sagrado, um profeta de ocasião, alguém que tem de
dar uma resposta plausível, pois, do outro lado, há alguém angustiado e
inquieto aguardando o meu “parecer”.
Sem querer teologizar muito, e botando logo os pontos nos “is”, a
vontade de Deus é de Deus, não é nem minha, nem sua, nem de ninguém. Já li
muita coisa a este respeito sem, contudo, jamais me sentir satisfeito.
Filósofos e teólogos criam explicações mirabolantes e sistematizadas para
tentar tratar de algo que, no meu entendimento, é “terreno de Deus”.
Os calvinistas vêem a vontade de Deus de uma forma, os arminianos de
outra, os da teologia da prosperidade enxergam de um jeito, os da teologia
relacional de outro. Há os que afirmam que Deus tem vontade descritiva – coisas
pré-ordenadas, e vontade permissiva – coisas que ele tolera existir ou
acontecer. Tem os que dizem que a vontade de Deus pode ser secreta ou revelada,
dispositiva ou perceptiva, e por aí vai... É o homem tentando entrar nas
profundezas do insondável.
Em seu livro “A Soberania de Deus”, Arthur Pink nos dá uma pista de como
o tema é denso e, talvez até, incompreensível: “A vontade de Deus é Seu eterno,
imutável propósito concernente a todas as coisas que Ele fez, para produzir
certos meios para seus fins apontados: disto Deus declara explicitamente:
"Meu conselho subsistirá, e farei toda Minha vontade" Is. 46:10.
Mas, afinal de contas, “qual a vontade de Deus para minha vida?”, pois
esta é a pergunta que não quer calar. E eu respondo: “sei lá!”. Atrevo-me
apenas a exprimir o que diz Paulo aos Romanos, que ela é “boa, perfeita e
agradável”. “Pastor, devo casar com fulano?”; “Pastor, devo fazer tal curso”;
“Pastor, devo mudar de cidade?”; “Pastor, devo aceitar tal emprego?”;
“Pastor...”. Meu amigo, minha amiga, eu, simplesmente, não sei!
O que certamente sei é que esta forma de viver a vida cristã não me
parece muito adequada. Mas a verdade é que a grande maioria quer respostas
exatas para tudo, acha que na Bíblia há direcionamento sobre todas as questões
da existência, espera que seus líderes os aconselhem precisamente em todas as
suas indecisões. Ora, isso simplesmente não existe! E é por isso que tanta
gente quebra a cara por aí e depois fica culpando Deus, o Pastor, as
Escrituras, a mulher, o marido, o amigo, e nunca a sua incapacidade de fazer
escolhas próprias.
Para mim, a vontade de Deus está na próxima esquina. O que quero dizer
com isto? Que o caminho com Deus se faz caminhando, e que uma coisa é saber
sobre o Caminho e outra é caminhar por ele. Nós cristãos nos tornamos cada dia
mais teóricos, mais retóricos, esquecemos que o convite de Jesus é para que andemos
no “Caminho”, em verdade, pois, só assim, poderemos experimentar a verdadeira
vida.
Quem caminha com Deus está construindo com ele uma história aqui na
Terra. Enquanto estou, na estrada da existência, “seguindo” a Deus, no encalço
de seus passos, estou na realidade permitindo que em mim vá sendo desenvolvida
sua soberana vontade, e isto em cada acontecimento do cotidiano, em cada
circunstância que vai se “desenhando” no meu caminhar.
Mas, de repente, Deus vira a esquina! Eu olho para frente e não o vejo
mais. A “cena” na qual Deus está continua acontecendo na “rua” por onde ele
está seguindo agora, mas eu não consigo discerni-la, percebê-la, compreendê-la,
pois sou incapaz de enxergá-lo neste momento. O que faço então? Sento e fico
adorando a Deus até que ele se revele novamente? Jejuo até que seu caminho se
desnude para mim? Oro para que ele me fale o que devo fazer? Consulto um
profeta para saber o direcionamento correto? Sinceramente, isto não lhe parece
absurdo? Mas é desta forma que muitos estão vivendo.
Ora, de fato, a uma única coisa a se fazer é ir até a esquina e,
avistando o “caminhar de Deus”, retomar novamente o seguir os seus passos, ou
seja, inserir-me outra vez como parte da “cena” que continuou se desenrolando
independentemente da minha presença. Preciso querer estar com Deus, e não
apenas saber de Deus.
De uma coisa estou certo: “Aquele que faz sempre o que quer, raramente
faz o que deve”. Pierre Beauchêne. Ora, se você quer fazer a sua vontade,
porque pergunta para mim qual a vontade de Deus? E mais: se você quer fazer a
vontade de Deus, porque pergunta para mim o que deve fazer?
Deus está caminhando – “se alguém quer vir após mim...” – siga-o! Se ele
virar a esquina, vire também. Se for reto, vá com ele. Se for rápido, corra. Se
diminuir a marcha, vá mais devagar. Lembre-se apenas de algo: tente nunca o
perder de vista, pois isso seria uma grande tragédia em sua vida. Agora, se
isto acontecer, ainda há algo a ser feito: procure algum "representante do
sagrado" pergunte para ele: "pastor, qual a vontade de Deus para a
minha vida?”...
Por: Carlos Moreira
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